sábado, fevereiro 19, 2005

196. Sobre as moscas das praças

Foge, meu amigo, refugia-te na tua solidão! Vejo-te aturdido pelo estrondo dos grandes homens e apoquentado pelo aguilhão dos pequenos.
Os rochedos e as florestas saberão conter-se gravemente, na tua companhia.
(...)
Onde a solidão acaba, começa a praça; e onde começa a praça, começa também o alarido dos grandes comediantes e o zumbido das moscas venenosas.
As melhores coisas do mundo nunca são apreciadas se não houver alguém que as apresente; é a esses apresentadores que a multidão chama grandes homens.
A multidão nunca tem a noção do que é grande, quero dizer do que é criador. Mas é sensível aos apresentadores e aos actores das grandes causas.
O mundo gira à volta dos inventores de valores novos; gira num movimento invisível. Mas à volta dos comediantes gira a multidão e a glória; e diz-se "assim vai o mundo".
(...)
Tudo o que é grande foge da praça e da fama; é sempre longe da praça e da fama que os inventores de valores novos vivem.
Foge, amigo, refugia-te na tua solidão! Vejo-te atormentado pelas moscas venenosas. Refugia-te onde sopra um vento áspero e forte!
(...)
Os teus próximos serão sempre moscas venenosas; a tua grandeza não faz mais do que torná-los mais venenosos e mais importunos.
Escapa-te, amigo, refugia-te na tua solidão onde sopra um vento áspero e forte! O teu destino não é ser enxota-moscas.
"Sobre as moscas das praças", in "Also sprach Zarathustra", Friedrich Nietzsche

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