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O que será... ou não!
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Porque nisto do tema aborto ou - mais politicamente correcto (já que aborto é duro demais e causa grave incómodo a certas capelas) - interrupção da gravidez, a despeito de muito se falar e muito se escrever, muito pouco se diz, talvez porque não convenha esclarecer, resolvi tirar-me de meus cuidados e vir à liça, para transcrever os mandamentos da actual lei penal portuguesa no que à matéria concerne, após o que emitirei um ou outro comentário que me pareça a propósito.
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Pois bem, é assim:
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CAPÍTULO II
Dos crimes contra a vida intra-uterina
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Artigo 140º
Aborto
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1 - Quem, por qualquer meio e sem consentimento da mulher grávida, a fizer abortar é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
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2 - Quem, por qualquer meio e com consentimento da mulher grávida, a fizer abortar é punido com pena de prisão até 3 anos.
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3 - A mulher grávida que der consentimento ao aborto praticado por terceiro, ou que, por facto próprio ou alheio, se fizer abortar, é punida com pena de prisão até 3 anos.
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Artigo 141.º
Aborto agravado
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1 - Quando do aborto ou dos meios empregados resultar a morte ou uma ofensa à integridade física grave da mulher grávida, os limites da pena aplicável àquele que a fizer abortar são aumentados de um terço.
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2 - A agravação é igualmente aplicável ao agente que se dedicar habitualmente à prática de aborto punível nos termos dos nºs 1 ou 2 do artigo anterior ou o realizar com intenção lucrativa.
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Artigo 142º
Interrupção da gravidez não punível
( redacção dada pela Lei 90/97, de 30 Julho )
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1 - Não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher grávida, quando, segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina:
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a) Constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida;
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b) Se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida e for realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez;
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c) Houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, comprovadas ecograficamente ou por outro meio adequado de acordo com as leges artis, excepcionando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo;
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d) A gravidez tenha resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual e a interrupção for realizada nas primeiras 16 semanas.
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2 - A verificação das circunstâncias que tornam não punível a interrupção da gravidez é certificada em atestado médico, escrito e assinado antes da intervenção por médico diferente daquele por quem, ou sob cuja direcção, a interrupção é realizada.
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3 - O consentimento é prestado:
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a) Em documento assinado pela mulher grávida ou a seu rogo e, sempre que possível, com a antecedência mínima de 3 dias relativamente à data da intervenção; ou
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b) No caso de a mulher grávida ser menor de 16 anos ou psiquicamente incapaz, respectiva e sucessivamente, conforme os casos, pelo representante legal, por ascendente ou descendente ou, na sua falta, por quaisquer parentes da linha colateral.
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4 - Se não for possível obter o consentimento nos termos do número anterior e a efectivação da interrupção da gravidez se revestir de urgência, o médico decide em consciência face à situação, socorrendo-se, sempre que possível, do parecer de outro ou outros médicos.
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Isto é o que comina a lei penal portuguesa. Sem mais nem menos.
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Esclarecendo – ou trocando por miúdos, como se queira:
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a) Quem, com ou sem consentimento de mulher grávida, a fizer abortar, pratica crime e, como tal, será condenado;
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b) A mulher grávida que consentir no aborto ou que, por acto próprio, aborte, pratica crime e, como tal, será condenada;
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c) Porém, não é punível a interrupção da gravidez (aborto), quando feito por médico e em estabelecimento hospitalar oficial, e
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1. seja o único meio de evitar houver risco sério de morte da mulher ou grave dano irreversível, físico ou psíquico da mulher;
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2. se mostrar indicada para obstar aos perigos enunciados acima, e for realizada nas primeiras 12 semanas da gestação;
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3. se houver seguros motivos para prever que o bebé terá grave doença ou malformação congénita, desde que feita a interrupção nas primeiras 24 semanas da gravidez;
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4. no caso de o feto ser inviável, a interrupção (aborto) poderá ser feito em qualquer momento da gravidez;
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5. se a gravidez tiver resultado de violação ou de qualquer outro modo que tenha forçado a mulher, se o aborto for realizado nas primeiras 16 semanas.
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Resumindo:
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Parece estarem aqui previstas todas as circunstâncias realmente atenuantes do crime que sempre é tirar a vida a qualquer ser humano, já que, como reconhece e comina o artº 24º da Constituição da República Portuguesa,
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1 - A vida humana é inviolável
2 – Em nenhuma circunstância haverá pena de morte
(mesmo julgada e decidida por tribunal próprio e adequado, portanto com todas as garantias legítimas e legais de defesa do “arguido” a suprimir).
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As coisas estão, pois, como se deixa acima descrito. Que se pretende agora levar a referendo?
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Pois bem, apenas o seguinte:
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Que a interrupção da gravidez (aborto) se possa fazer livremente, apenas por exclusiva vontade da mulher, portanto mesmo sem necessitar de razões médicas muito graves ou de prevenir maiores males em caso de violação, até às 10 semanas, ou seja, até aos 2 meses e meio, isto é, até ao 75º dia, que é como quem diz até às 23h59m do 75º dia da gestação.
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Isto dá à mulher, a qualquer mulher, independentemente do seu grau de lucidez e de responsabilidade, um poder discricionário de vida ou de morte sobre um ser humano mais fraco do que ela, que nem os tribunais, constituídos com todos os cuidados, possuem, em Portugal e em qualquer país minimamente civilizado.
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São opções.
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O caricato (nestas questões, verdadeiramente trágico) é que se pretende que até às 10 semanas, tudo bem... aborte-se à vontade... à discrição...
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Porém, se a mulher ou alguém por ela ou com ela, se atrever a praticar o aborto às 10 semanas e 1 dia, ou seja, aos 2 meses e meio, mais um dia, isto é, ao 76º dia, que é como quem diz ao 1º minuto do 76º dia da gestação, aí, alto lá!, tem que ser severamente punida e já ninguém se revoltará com tal punição. Estará tudo legal e nos conformes...
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Dispensando-me de mais comentários, apenas direi que são opções. Socialistas, claro!
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Nem tão pouco argumentarei muito que melhor fora que os socialistas, com Sócrates à frente, ou não, deixassem as coisas estar como estão e, em alternativa, pusessem a preços convidativos, muito comparticipados, ou até mesmo gratuitos - nos casos possíveis como o do preservativo - todos os meios anticoncepcionais conhecidos. Não se fez isso com as seringas dos toxicodependentes? E não será este caso do aborto pelo menos tão grave como a questão que levou à distribuição gratuita de seringas?
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Pessoalmente, fico triste, muito acabrunhado mesmo, desiludido com o género humano em que, afinal, me insiro, mas com uma parte do qual não quero, definitivamente mesmo, ser confundido. E, evidentemente, votarei NÃO!
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Mas, aprovado que seja o referendo, se o for, e posta a hipótese em execução, tão cara a Sócrates et compagnons de route, impõe-se que se formule uma simples pergunta, ainda que um tanto longa:
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Será que alguém está convencido de boa fé que a medida fará com que baixe o número dos abortos clandestinos e que as mulheres abortivas passarão a correr para os hospitais oficiais, reclamando o desejo de tirar a vida ao filho que trazem no ventre?
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Ora levantem-se lá os ingénuos e, como tal, mostrem-se e afirmem-se. Os outros, os que sabem que tal não vai acontecer, mas que estão de má fé em todo o processo, não precisam de se dar ao incómodo de se levantarem e mostrarem-se. Sabe-se quem são, muito embora relativamente à esmagadora maioria não se lhes conheçam os nomes nem se lhes tenha alguma vez visto a face destapada.
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Toda a gente sabe que não. O aborto candestino não irá acabar, nem tão pouco baixar de número de ocorrências. E, aí, a hipocrisia do caso. Quem tem possibilidades económicas continuará a ir a Espanha e até mais longe ou ao seu clínico, particular e complacente. Quem as não tem continuará a ir à parteira da esquina. E porquê, em ambos os casos? Simplesmente por todas saberem - e, mais ainda, por no íntimo sentirem, o que é bem mais culposo - que o aborto, sem as razões muito fortes que o autorizam já, é sempre crime grave, legalmente punível ou não, mas legitima e moralmente não passível de ficar sem punição severa, razão por que há que o subtrair à punição social. Essa é mesmo a observação e certeza mais críticas que se podem fazer aos defensores da eufemística IVG.
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Este país? Estão, a cada dia que passa, a transformá-lo em algo que mais não é do que trágica ópera buffa. Sem qualquer espécie de classe, claro!
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NB.- O penúltimo parágrafo foi actualizado hoje, 28 Outubro, pelas 22,42 horas.
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