Dificilmente em qualquer país deste mundo de patifarias, o nosso incluído, alguém terá congeminado e posto em execução acto de maior cinismo. De malvadez disfarçada de solidariedade, o que torna tudo ainda mais execrando.
O chamado Complemento Solidário para Idosos é uma vergonha, um atentado à dignidade daqueles que é suposto ir ajudar a viver em melhores condições, ou seja, os idosos carenciados, de mais de 80 anos. Trata-se de algo que qualquer governante, mais do que envergonhar-se de propor, deveria recusar-se a subscrever.
Inacreditável!
A todos quantos não tomaram ainda conhecimento do processo de habilitação ao recebimento de um complemento mensal de apoio “solidário” do Estado a idosos octogenários e mais velhos (que deverão ser milhões, cá no País, pelo que o Estado vai arruinar-se com esta medida…), aconselho vivamente a informarem-se.
No entanto, para já, aqui deixo alguns “dados” que vale a pena reter, para melhor avaliarmos as mentes que, ao que se diz por aí, nos governam.
Vejamos, então:
1. Quem quiser habilitar-se ao Complemento Solidário para Idosos (CSI) - que, repito, se destina a idosos com 80 anos e mais - receberá em sua casa uma carta apócrifa, de seis parágrafos, escritos em português rameloso, dando-lhe conta da excelente acção que está a ser levada a efeito em seu favor;
2. Com a referida carta apócrifa, receberá também
...
. seis impressos
. num total de 14 páginas
. das quais 3 são de instruções para o preenchimento
. das restantes 10, que, por sua vez,
. contêm cerca de 80 questões a que os velhinhos de 80 e mais anos terão que responder adequadamente, sem o que nada receberão;
3. As “instruções” são do tipo,
. se respondeu SIM a 1.1 salte para 3.4
. respondeu NÃO a 2.4? Então preencha o anexo A
. no caso de ter respondido SIM aos pontos 5.3 e 6.1 entregue o formulário ANEXO B e a respectiva declaração de IRS…
4. De entre as questões/obrigações a que o interessado terá que responder/cumprir constam exigências como a entrega de:
. fotocópia do cartão de identificação da segurança social
. fotocópia do cartão de contribuinte fiscal
. fotocópia do bilhete de identidade
e ainda
. Documento do período de residência considerado obrigatório (6anos)
. Títulos válidos de residência em Portugal
. Boletim de Identificação (mod RV 1013 DGSSFC ou mod. RV 1014-DGSSFC), consoante seja nacional ou estrangeiro
. Requerimento da Pensão Social mod. RP 5002-DGSSFC
. Documento comprovativo da data de início da pensão.
5. Continuando…
Tem que preencher uma declaração através da qual
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. "autoriza do Instituto da Segurança Social, I.P., representado por qualquer dos seus funcionários em exercício, a solicitar ao Banco de Portugal que indague, junto de todas e quaisquer instituições de crédito e obtenha a indicação das entidades bancárias onde o requerente tenha conta, e solicitar e obter junto de qualquer entidade bancária, parabancária, etc., toda a informação patrimonial relevante, designadamente saldos e movimentos de todas as contas à ordem, a prazo, de acções, obrigações ou outros valores mobiliários depositados, títulos, certificados de aforro e quaisquer outras aplicações, autorizando também a mesma Segurança Social na pessoa de qualquer dos seus funcionários a solicitar e obter informação relevante de índole fiscal."
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Lê-se e não se acredita… Tudo isto para a concessão de meia dúzia de € a meia dúzia de octogenários e mais velhos… Lê-se e não se acredita!
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6. The last but not de least…
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O velhote requerente terá igualmente que prestar informações acerca dos filhos que tem e dos rendimentos de que os mesmos dispõem, bem como dos respectivos agregados familiares.
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E os próprios filhos têm que assinar uma certificação, na qual, entre outros compromissos, concedem aos serviços competentes da segurança social, o direito de proceder à averiguação dos elementos necessários à comprovação da veracidade das declarações que o progenitor prestou a seu respeito, a respeito dos seus agregados familiares e dos respectivos rendimentos.
Nota: Vá lá, vá lá… Dispensa-se a assinatura do filho, se este residir no estrangeiro.
Pidesco! Não há memória. Nem no tempo da outra senhora!
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Apenas uma pergunta:
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Nestas condições, quem é que está "habilitado a habilitar-se" à concessão do complementozito?
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E não falo apenas da questão dos rendimentos, próprios ou dos filhos. Refiro-me também à circunstância de se saber quem é o velhote ou a velhota de mais de 80 anos que está em condições de responder a tão quilométrica e intrincada inquisição, sem que lhe dê um fanico e se vá desta para melhor. O que, pelos vistos, para os congeminadores de tal aborto, seria uma dádiva divina... Mais facilmente passariam por solidários... a custo zero.
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Garanto-lhe - juro mesmo a pés juntos - que o preenchimento da declaração anual do IRS é muitíssimo mais simples.
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Mas… o melhor é ir ver… Vá, que vale a pena!
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ADENDA - 2006Fev09 - 22,10h -
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Esta questão levanta ainda outro problema, que é o de fazer depender a atribuição do complemento aos rendimentos dos descendentes do interessado. Quer isto dizer que - contrariamente ao que a Declaração Universal dos Direitos do Homem pacificamente consagrou - o Governo que ora temos entende que cada pessoa não é uma individualidade per se, com deveres e direitos próprios, independente de terceiros, fazendo jus, portanto, a ser decentemente tratado pelo Estado, que tem o estrito dever de zelar pela sua integridade e dignidade, independentemente das circunstâncias que o envolvem.
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Cada cidadão tem que ser tratado pelo Estado como pessoa independente, sem ter que estar submetida aos ditames de seja quem for, ainda que os próprios descendentes, pois que é bem sabido que nem sempre se conduzirão da melhor forma.
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Que seja o Estado - moralista inepto - a pretender moralizar os costumes de forma tão ínvia é que não lembraria ao diabo, menos ainda quando se trata de um governo sustentado por soi-disants socialistas.
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O tempora!... o mores!...
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