quarta-feira, dezembro 06, 2006

773. Beijing, também conhecida por Pequim (2)

Impressiona, igualmente – principalmente a quem vem de uma Europa extremamente envelhecida, sem espírito aventureiro, de conquista, em busca de novas experiências, muito pelo contrário, conformada, repleta de gente de cãs brancas ou muito brancas, sentada, literal e figuradamente, esperando o cheque da reforma ou do subsídio, como vimos de raspão em Amsterdam, confirmando o que por cá se topa a cada canto – o afã de viver destas jovens gentes lá dos confins, cuja média de idades andará pelos vinte e tantos anos, mas cujos velhos, embora recordistas de longevidade, demonstram uma vida, uma sede de viver de causar tonturas.


Em plena Tian'anmen (ou Praça da Paz Celestial), o Museu Nacional e uma visão da juventude. Diz-se por lá que o jovem que enfrentou o tanque, acção documentada por foto que correu mundo, não foi morto nem encarcerado, mas convidado a ausentar-se para outras paragens. Diz-se também que para os USA. Ubi veritas?

Talvez por feitio, talvez pela evidente falta de obesidade – tão característica das sociedades ocidentais de consumo – talvez mesmo pela falta do hábito de se estar ocioso, à espera do que há-de vir, os idosos – talvez também por não quererem deixar-se ficar para trás, ultrapassados pela imensidão de juventude que tudo leva à sua frente, na ânsia de viver vidas novas e novas experiências, até aqui nem sequer sonhadas – o que é certo é que a “velharia” não pára e dá cartas aos mais novos, começando, logo pela manhã, por inundar os inúmeros jardins, aos milhares de milhares, em exercícios conjuntos de ginástica rítmica, ao som de música suave, mas despertadora, que desentorpece os músculos, recalcifica os ossos, tonifica os tecidos e abre a mente para a vida que dura até que a morte tudo separe, lá para os muitos mais de 100...

Muito temos nós que aprender com esta gente, meus amigos!

Ainda em plena Tian'anmen, o mausoléu onde descansa Mao Dze Dong de tantas coisas que fez neste mundo. Talvez bem arrependido de imensas delas, quem sabe!?...

É isso! Embora com muitos velhos, muito velhos – mas sempre a mexer, caramba! – a sociedade chinesa está principalmente constituída por gente muito jovem e irrequieta (mas que respeita os velhos e lhes dá precedência… percebe?!?!) de que muito há que esperar.

Claro que é bem possível que, por força da política governamental de a cada casal apenas caber a possibilidade de ter um filho – com algumas excepções regionais, claro! – daqui por 30 anos, a manter-se o status quo, venham a ter os problemas com que nós, ocidentais, nos debatemos já, ou seja, com sociedades envelhecidas, decrépitas e não produtivas, com um peso incomportável nos orçamentos da política de saúde.



Acredito, porém, que, até lá, hão-de encontrar uma qualquer solução. Não são gente de ficar à espera que as coisas aconteçam. E, além disso, como ficou registado atrás, ainda que velhos, não se dão ao luxo de parar. Na China, está toda a gente, de todas as idades, em todo o lado, a todas as horas, em frenético movimento, a desenvolver alguma actividade. Todo o santo dia! Que cansativos, meu Deus!


Sim, o homem continua presente - embora muito discretamente muito mais discretamente do que seríamos levados a supor - excepção feita no mausoléu e bem assim nesta foto à entrada do palácio do Governo, num dos lados da Praça da Paz Celestial ou Tian'anmen.

Não passa já, todavia, de uma cada vez mais ténue referência histórica.

É. Os tempos são de pragmatismo político, por força da força da economia...

O dia, como disse, começa com a ginástica desentorpecedora, continua com as actividades que a cada qual cabem e termina, de forma geral, antes da recolha a penates, com belos convívios nos mesmos jardins, gerais, onde se joga uma partida de cartas bem renhida, quase sem bancos e menos ainda cadeiras, antes com a maioria dos jogadores de pé, se canta ao desafio, se dança, se declama, se pinta a manta! Só depois se regressa a casa para a refeição última do dia e o descanso nocturno, até que novo dia principia e tudo recomeça.

Este descanso nocturno, porém, é mais para os mais velhos, como resulta natural. Os outros, de sangue na guelra, têm muito por onde espraiar as energias ainda não gastas. Discotecas e toda uma panóplia de divertimentos, que a vida não é só trabalho, pois então!

O Império, que talvez, este sim, seja o dos mil anos, vem aí. A passos largos. Para chegar, ver, vencer sem luta que não vai ser precisa e, principalmente, para ficar.


Ao dizer tudo isto, posso deixar a sensação de que, paisano de repente largado na cidade, na zona mais turbulenta e luminosa da cidade, atordoado com os ruídos e ofuscado pela cores berrantes e infindáveis, apenas me terei apercebido das luzes, ignorando as trevas.


No interior da Cidade Proibida onde, contrariamente ao que por aí se afirmou, tudo se pode fotografar ou filmar à vontade, sem a mínima interferência seja de quem for.

(Experimente-se, a título de exemplo, fotografar o interior da Catedral de Milão...)

Não é verdade. Não esqueci que a China não é governada democraticamente. Mas – já agora que aqui chegámos, uma heresia… - das experiências que por aqui tenho, como todos nós, vivido resulta uma pergunta incómoda, para a qual gostaria de encontrar resposta adequada, justa, realmente fair:

Mas, afinal, que é isso da Democracia?

Apenas a faculdade de se apontar a dedo os erros e pulhices de quem governa e se governa a seu bel prazer?

Apenas a possibilidade de, de tempos a tempos, riscar num papelinho e esperar que alguém no-lo tire da mão e o introduza numa caixa preta e sem graça (a que até chamam de "urna", dando-nos a sensação de que estamos a ajudar ao enterro da própria democracia), após o que se sai do local convencido de que se vive em regime democrático e em que se é realmente ouvido e respeitado?

Na verdade, é muito bom e louvável poder desabafar, apostrofando o noss’primêro e dizer-lhe o que ele talvez não goste (este, não gosta de certeza, tal é o ar de enjoo e enfado e arrogância que exibe sempre…) e não ir parar à cadeia – se bem que esses gloriosos tempos talvez estejam a minguar de forma um tanto mais acelerada do que seria de esperar e desejável.

Nos Jardins do Templo do Céu, ao fundo, pela tardinha, juntam-se multidões a jogar cartas, a cantar, a tocar os mais diversos instrumentos, a declamar, num convívio interessantíssimo em que os estrangeiros despertam tanta curiosidade como os aborígenes...

Mas a democracia não se esgota na possibilidade de se lançarem umas bocas para a estratosfera. A verdadeira democracia, aquele regime político que considera e trata todos por igual, respeitando, porém, as capacidades e os méritos de cada qual, que é dela, em Portugal? Ubi est?

Fica a pergunta, na tentativa de travar, já, as habituais respostas de wise-guyism tão caro à sociedade portuguesa actual.

Voltarei a falar da China. E de outras coisas, por certo.

6 comentários:

Agnelo Figueiredo disse...

Olá Ruben.
Não pude deixar de sentir tristeza pela morte do seu amigo. Caramba! Deve ter sido... sei lá.

Aceite um abraço de amizade.

Ruvasa disse...

Viva, Agnelo!

Sim, foi algo de muito triste e chocante. Obrigado.

Abraço

Ruben

H. Sousa disse...

Um abraço solidário, que a viagem prossiga o melhor possível.

Ruvasa disse...

Viva, Henrique!

Obrigado.

A viagem já terminou e, felizmente, sem mais acontecimentos tristes.

Abraço

Ruben

Anónimo disse...

«a que até chamam de "urna"»

...grande Democracia, pois!
;-)


beijinho

Ruvasa disse...

Viva, Maria João!

Pois é... Meter os votos em tais "urnas" é mesmo mais enterrá-los do que outra coisa.

Beijinho

Ruben