terça-feira, abril 25, 2006

743. O discurso desalgemado


Cavaco Silva acaba de descer os degraus da bancada da Assembleia da República onde discursou a propósito da comemoração do 32º aniversário da revolução de Abril de 1974.

O discurso que proferiu revelou-se, pela primeira vez em muitos anos, desalgemado, livre dos jargões habituais, sem conteúdo visível e despidos de sentido prático que sempre fomos ouvindo em datas similares de tantos anos passados e perdidos.

O actual presidente da república soube, como até hoje nenhum dos seus antecessores, libertar-se - e libertar o órgão de soberania em que está investido - das amarras habituais, do saudosismo inconsequente, do folclore repetitivo e sem substrato.

E, libertando-se, terá iniciado uma outra libertação, a mais importante, afinal: a de um povo que necessita de acreditar em si e de algo fazer por si e pelos outros, pelo país, enfim, em prol de toda a comunidade portuguesa, sem ficar na indolente expectativa de que outros façam o que a si cabe fazer.

Uma alocução que, na parte substancial, relembrou a célebre frase de John Fitzgerald Kennedy, há cerca de quarenta e cinco anos: não pergunte o que pode o país fazer por si, mas, isso sim, o que pode você fazer pelo país.

Cavaco Silva proferiu um discurso liberto de teias de aranha aprisionadoras e abriu uma janela de esperança para o nosso futuro colectivo, com a particularidade de não se ter posto de fora da epopeia a que temos que meter ombros.

Começou bem. Muito bem mesmo. Esperemos que assim continue, sem tergiversações, sem cedências. Serenamente, mas não cedendo.

Hoje deu um primeiro passo no sentido de sair da galeria dos nossos pesadelos. Se assim continuar, rapidamente serão dados os restantes, necessários para que dela saia de vez.

Aqui deixo formulados votos nesse sentido. Porque, se ele sair, ficará dado sinal de que também nós estaremos a libertarmo-nos da teia em que deixámos que nos aprisionassem.
...

15 comentários:

Marco Aurélio disse...

Ruben

Você não tem aparecido no Boatemática. O que foi?
Tudo bem?
Aqui no Brasil estudamos a Revolução dos Cravos de maneira muito superficial. Aprendemos pouco sobre este levante militar conduzido pelos oficiais intermediários que derrubou num só dia o regime político que vigorava em Portugal desde 1926. Alguns professores daqui dizem que esta revolução devolveu a liberdade ao povo português. Outros o comparam ao Golpe de 64 que aconteceu em terras brasileiras. O que acha?

Um abraço

Marco Aurélio

Ruvasa disse...

Viva, Marco Aurélio!

Está tudo bem, sim, Amigo.

Não tenho aparecido por força de outros afazeres.

Quanto ao assunto de fundo do seu comentário, dou-lhe a minha versão do sucedido que, como é normal, não passa de uma versão. Sujeita, portanto, a contraditório. É, porém, no meu ponto de vista, a versão-síntese que melhor se adequa ao que efectivamente se passou e está passando ainda.

Aquilo que se convencionou chamar de Revolução dos Cravos começou como simples golpe de estado militar, iniciado na madrugada de 25 de Abril de 1974, que, por força da imediata adesão popular – visível já no decurso do final da manhã de 25 – logo se transformou em verdadeira revolução.

Os primeiros dias foram de alegria esfuziante de quase todos, receios de alguns, desespero de uns tantos.

Como em todas as revoluções acontece – recordemos a francesa – sofreu muitos sobressaltos e deu azo a muitos abusos ao longo dos meses seguintes. Felizmente sem as trágicas consequências directas daquela.

Viveram-se momentos difíceis, em que um regime autocrático esteve a ponto de ser substituído por outro de sinal oposto, até que, em 25 de Novembro de 1975, dezanove meses após, as coisas foram trazidas para o lado são, mediante a correcção que, graças a militares de espírito, pensamento e acção democráticos (parece um contra-senso, mas não é), foi possível obviar a males maiores que se agigantavam.

Corrigido o rumo e serenadas as coisas – não sem que algumas atitudes políticas e de políticos geralmente considerados moderados e de bom senso, dessem causa a factos que destruíram muitas fazendas e vidas, directamente algumas, mas a maioria de forma indirecta, como consequência de decisões altamente lesivas dos interesses da nação portuguesa em geral – a vida da nossa comunidade passou a processar-se de forma mais calma e em adaptação constante, em aprendizagem ininterrupta.

Os tempos foram decorrendo e nós, portugueses, aprendendo aos poucos e com alguns sobressaltos as virtudes da democracia e as dificuldades em atingi-la. Virtudes que nos dão a certeza de que outro regime político não nos interessa; dificuldades que fazem com que, ainda hoje, trinta e dois anos passados sobre 1974, não tenhamos ido além do estádio de uma democracia, que tenta melhorar a cada dia que passa, mas que ainda não deixou de, na sua componente social e económica, ser meramente formal.

Não desistimos, porém, e, salvaguardada a excepção de alguns que não aderem ao regime por impossibilidades várias, todos – cada qual a seu modo e, por vezes, muito contraditoriamente – vamos procurando realizar a obra.

Não obstante os senões, que os houve, há ainda e continuará a haver, orgulhamo-nos do golpe de estado que redundou em revolução e que, nas ruas, sem um tiro disparado, em menos de um dia de Abril de 1974, mudou um regime. A nossa foi, na verdade, uma revolução tranquila e que nos enobrece.

Como digo no post anterior,

“… eis-nos em plena democracia formal.
Falta pois e apenas, o objectivo final, o mais difícil, mas também o único que verdadeiramente compensa: a Democracia. Sem excrescências adjectivadoras. Que a diminuem, por lhe retirarem valor, verdade, honorabilidade.
Há que resguardar a esperança de que lá chegaremos! Apesar de tudo.”

Não sei, meu Amigo, se o que digo satisfaz, pelo menos em parte, o que pretendia. No dia de hoje, porém, é o que se me oferece dizer. E é, também, o que da nossa revolução penso.

Abraço grande

Ruben

Anónimo disse...

Ó amigo Ruben, por amor de DEUS!!!
...um discurso que quer agradar a “gregos e a troianos” só pode ser demagógico. Um discurso retrospectivo, um bonito balanço, idealístico, onde a “culpa parece ter morrido solteira”. Todos os males nasceram depois dele “abandonar o barco”? Senão, porque não se “libertou ele e ao povo” quando foi, por tanto tempo, 1ºMinistro?? Porque que não abriu ele anteriormente a “janela para sairem as tenhas de aranha”?? Quem é que se deixou “aprisionar” e por quem?? Porque é que não relembrou ele a célebre frase de ”Kennedy” antes?
Ah! já sei!!...o compromisso cívico é coisa futurista!...

Beijinho

Agnelo Figueiredo disse...

Cavaco é o primeiro presidente que não é um "homem do 25 de Abril". É por isso que pode ter essa postura liberta dos clichés a que nos foram amarrando´. Pode ser um começo...

Ruvasa disse...

Viva, Maria João!

Desta vez estamos em desacordo.

Sabes bem que Cavaco não é das minhas simpatias. No entanto, tento que o facto não me tire a capacidade de distinguir o que é do que não é.

As razões pessoais e de política partidária que tenho contra ele nada têm que ver com o resto.

Tanto quanto parece, não serei eu apenas a ter aquela percepção do discurso de ontem. A generalidade dos comentaristas da nossa praça, à esquerda ou à direita, referem o mesmo.

Lá na minha galeria dos nossos pesadelos, o homem deu um passo para a saída. Veremos se dará mais.

Beijinho

Ruben

Ruvasa disse...

Viva, Agnelo!

Oxalá que o seja, porque tudo aquilo já se estava a tornar bafiento.

Wait and see!

Abraço

Ruben

Isabel Filipe disse...

...eu acredito nele...
espero não me enganar...

bj

Anónimo disse...

Ruben,

os amigos podem estar em desacordo em muitas coisas que não é por isso que deixam de ser amigos.

Fiquei esclarecidissima com a tua resposta ;-)

«As razões(...)nada terem a ver com o resto.»

Fantástico Ruben!...é o que eu digo...o homem nunca teve nada a ver com política e o estado do país...todos os males nasceram depois dos seus Governos. Pois...ter sido 1ºMinistro não tem nada a ver com ser agora Presidente...pois. É muito diferente agora. Não misturemos as coisas, pois.

«não serei eu apenas a ter aquela percepção do discurso de ontem» Claro que o discurso agradou À esqª e À dtª. Era mesmo para isso!! mas o que eu disse foi que, mais tarde, algum dos lados não vai agradar de certeza, na prática! E, se houver prática alguma!
...enfim, é o que se chama andar a brincar com as palavras...foi um puro discurso retórico lindo! Até eu quase aplaudi!

MAs não ligues amigo Ruben que eu (e muita gente) estamos enganados. Cavaco Silva reapareceu numa manhã de nevoeiro e vai fazer tudo o que não fez antes, vai salvar a nossa pátria, tal herói rensacido das cinzas e feito homem novo!
Ah! mas desde que façamos TODOS o que nunca nenhum português antes fez...cumprir com o nosso compromisso cívico. Pois!

Gostei sobretudo daquela que uma coisa não tem nada a ver com a outra...pois...Beijinho GRANDE

Ruvasa disse...

Olá, Isabel, bem-aparecida!

Oxalá não te enganes, realmente.

Crê que faço votos nesse sentido.

Eu é que já estou como S. Tomé. Ver e ouvir, para crer. É que sou gato escaldado pelo filho do senhor Teodoro Silva, de Boliqueime, e, como tal, ponho-me na retranca.

Isso, porém, não invalida que lhe aplauda - a ele como a qualquer dirigente do PCP, por exemplo - desde que tome qualquer atitude com a qual eu concorde. É que já ultrapassei a fase da clubite partidária.

Talbém era melhor que, com esta minha provecta (!!!) idade ainda o não tivesse feito. Seria sinal de que era lerdo a aprender.

Beijinho, minha artista predilecta da Blogosfera.

Ruben

Ruvasa disse...

Viva, Maria João!

Evidentemente que não.

Como queres que eu misture agravos pessoais e de política partidária que tenho contra ele com a política que possa praticar a nível nacional, que nada tenha que ver com o aspecto pessoal meu e de política intra-muros partidária?

Há que saber não misturar as coisas. E nós, em Portugal, temos, por via de regra, muita dificuldade em separar as águas. Mas há que fazer um esforço nesse sentido. Por mera questão de racionalidade e open mind, sem juízos antecipados.

O que eu tinha a dizer de Cavaco já o disse, em devido tempo. E, como eu disse, não vi que muitos mais dissessem... Agora, estou na expectativa do que vai fazer.

Assim as razões pessoais e de política partidária que dele me separam nada têm que ver com a sua actuação como primeiro ministro ou como presidente da república.

Não percebo, pois, a tua alusão a coisas que não foram referidas por mim.

Tudo bem, mas repara que eu não falei na política que ele desenvolveu como primeiro ministro (podia tê-lo feito, mas não fiz) nem como presidente da república (ainda não o posso fazer, pois não vou em juízos apressados).

De qualquer modo - e sem acrescentar mais seja o que for - sempre te direi que o período em que ele foi primeiro ministro coincidiu (coincidência pura, talvez) precisamente com aquele em que eu, tu, e tantos mais como nós, melhor vivemos em Portugal, desde que me conheço e certamente desde que te conheces. ;-)

Para finalizar, repito: Não ponhas nas palavras de outros aquilo que eles não referiram nem quiseram referir. Estamos, neste caso, eu e o próprio Cavaco. Nem ele nem eu dissemos que ele nada tinha que ver com tempos antecedentes. Ele não o disse, por razões óbvias; eu, porque não me apateceu dizer isso nem o contrário.

Simples como isto, não é, Amiga?

Cá estarei para julgar Cavaco, como para julgar todos os outros. À medida que meterem o pé na poça ou o calcem com bota absolutamente impermeável.

Antes de que o façam, não. E tu sabes bem qe é assim. Tanto aperto a mão a um... como o pescoço a um... Gostaria que toda a gente fosse assim. Parece que não é.

;-)

Beijinho

Ruben

Anónimo disse...

Ai ai Amigo Ruben...peço-te desculpa se me expliquei mal. É claro que nem tu nem o Cavaco quiseram falar no seu passado! quem quis falar no Cavaco como 1ºMinistro e, agora, como Presidente fui sempre eu!
Pelo facto de que continuo a não querer separar as águas! Porque não me julgo a fazer juízos precipitados. Porque não preciso de esperar para ver o que ele faz como Presidente porque já o conheço doutros 'carnavais'. Porque não confio nele. Porque raciocino e tenho o espirito aberto, sempre, e como tal, luto pelo melhor para o meu país!

Porque discordo absolutamente que tires a conclusão de que eu concordo com isto que disseste: «...em que eu, tu, e tantos mais como nós, melhor vivemos em Portugal, desde que me conheço e certamente desde que te conheces.»
Amigo Ruben, CAvaco Silva não é, definitivamente, a pessoa que eu queria ter como Presidente de todos nós. Porque não tenho expectativas em relação a uma pessoa que, noutra situação (como 1ºMinistro), demonstrou ser quem foi! As pessoas não mudam de ideais só porque ocupam cargos diferentes. Mudam de ideais, ou não, por outras razões.

As expectativas quanto a ele, ficam com quem as quer ter.
Eu, tenho expectativas é que um dia, longíquo que seja, o meu país se veja livre de todo o tipo de políticos que, sistemáticamente, deixam as pessoas pensar que estão a fazer alguma coisa pelo nosso país mas que não estão! Muito pelo contrário.

É simples de compreender o meu ponto de vista (que não é nem melhor nem muito pior que o teu. Não é menos positivista e crente que o teu. Não é menos lutador do que o teu. Só é diferente.), não é Amigo Ruben?

É para isso, tambem, que se trocam/discutem opiniões diferentes nos blogs, né?

Beijinho GRAAAAAAAAAAAnde para o meu Amigo Ruben ;-)

Maria João Lopes

Ruvasa disse...

Viva, Maria João!

Ok, tudo bem.

Não quereres separar as águas, é opção tua. Nada contra.

É que a separação das águas de que eu falei e a separação das águas de que tu falas, em resposta, não são - definitivamente que não são - as mesmas.

A minha separação das águas tem apenas que ver com o meu plano pessoal e partidário dentro do PSD. Nada tem que ver com o resto. São coisas diferentes e, como tal, pertencendo a duas histórias bem diversas.

Mas para que estou eu a dizer isto, a alguém como tu, para quem a dialéctica - estou em crer - é a ratio política por excelência?

Ou estarei equivocado?

;-)

Beijinho

Ruben

Anónimo disse...

Dicionário:
...RATIO, significa conta, cálculo, faculdade de julgar, método, razão.

...Isto responde à tua pergunta, de que se estás equivocado ou não?

Eu, na minha ignorância, te pergunto o significado da tua frase, porque fiquei na mesma sem perceber se isso foi um elogio ou o contrário?

Beijinho :-)

Ruvasa disse...

Viva, Maria João!

Nem elogio nem o contrário.
E por que é que teria que ser um ou outro?

Não, apenas uma constatação.

Quero eu com isto dizer - disse eu - que a dialéctica será tudo ou quase. O resto pouco peso terá.

Beijinho

Ruben

Anónimo disse...

Bom dia Amigo Ruben!

Obrigada pelo teu esclarecimento!
...já calculava que era isso que querias dizer.

Afinal de contas, quem sou eu para pôr os conhecimentos de alguem em causa, e principalmente, quando não se está de acordo.
Não deixa de ser curioso constatar que conheço pessoas muiiiiiiiito mais velhas que pensam da mesma forma que eu (ou vice-versa)...será que elas tambem só têm dialéctica e pouco mais??

Beijinho
Maria João Lopes