sábado, agosto 07, 2004

31. Sondagens, notícias, credibilidade

santana.jpg Posted by Hello in SIC-online

Sábado é tempo de relaxe. Físico e até emocional.

Por que não, assim, aproveitá-lo para um pequeno exercício de análise e reflexão sobre o estado da coisa política - e não apenas política - cá entre nós, na vertente comissário-jornalística? Talvez que as circunvoluções cerebrais nos agradeçam o pequeno esforço... por não perderem o ritmo...

Apreciemos, então, esta excelente prosa, que apresenta resultados extremamente credíveis de uma mega sondagem Eurosondagem para a SIC, Expresso e Renascença, depois da crise política, na abalizada versão da SIC-Online.

Perante a incomodidade de transcrever o texto na integralidade, limitar-nos-emos a trazer à ribalta pequenos extractos, opção que, no entanto, não ofende o espírito do contexto, como tantas vezes por aí se vê.

(...) Mais significativo é, contudo, o saldo negativo da actuação do Governo liderado por Pedro Santana Lopes no seu conjunto: 55,9 por cento considera que a actuação é negativa. Um executivo empossado há apenas 15 dias. (...)

Logo, portanto, com tempo suficiente para ter cometido tantas e tantas tolices, que há já 56% dos inquiridos que, por esse facto, o rejeitam... Excelente, esta correspondência factual, esta sã coerência.

(...) Apesar disso, a maioria dos inquiridos considera que a transferência de seis secretarias de Estado para fora de Lisboa - uma das medidas emblemáticas deste Governo - é uma boa medida; 33,4 por cento entende que ela é má e 21,5 por cento são da opinião de que se trata de uma medida inconsequente. (...)

È pure, o Governo tomou medidas e apontou caminhos que a maioria (cujos termos quantitativos infelizmente o escriba se esqueceu de referir...) dos inquiridos avalia positivamente. Em que ficamos, então? Quer V. ter a bondade de se explicar? Só para ver se nós, cidadãos vulgares de Lineu, percebemos!

Mas vejamos mais:

(...) A maioria dos inquiridos, 58,1 por cento, entende ainda que os fogos deste Verão estão a ser combatidos de forma mais eficaz do que no ano passado. (...)

Ou seja, a maioria dos inquiridos aponta mais uma coisa que está a ser bem feita, muito embora continue muito desagradada com o actuação do governo, sem que, no entanto, aponte qualquer medida incorrecta. Estamos, pois, mais do que no reino da fantasia, no do mais perfeito nonsense... Aqui, Mr. Bean iria direitinho para o chômage... perdão, unemployment.

(...) A maioria daqueles que entendem o contrário, 65,3 por cento, não tem qualquer dúvida em afirmar que a culpa é do Governo. (...)

Aqui, o caso é mais interessante. Vejamos:

A uma leitura mais descuidada - aquela a que o cidadão comum se entrega, ao passar os olhos pelas notícias - o que se retira deste pedaço de prosa (ou se é induzido a retirar...) é que 65,3% dos inquiridos não tem qualquer dúvida de que é do Governo a culpa de os incêndios não estarem a ser combatidos de forma mais eficaz do que no ano transacto.

Ora, nada mais ao arrepio dos resultados da sondagem. Estes não dizem nada que se pareça. Aliás, nem se compreenderia que, havendo 58,1% dos inquiridos que acham que os fogos estão a ser melhor combatidos do que anteriormente, no "saco" ainda coubessem 65,3% a entenderem o contrário e que a culpa disso é do Governo!

Trata-se de uma evidente e absoluta impossibilidade, porque, tanto quanto é sabido, a Matemática não é uma batata! Ainda!... Ou será? Mas, então, de onde vem este dislate que mais se assemelha a peça encomendada por qualquer comissário político, a um tempo zeloso e desleixado ou, quando menos, pouco respeitador da inteligência de quem o lê?

É que aquela percentagem (65,3%) nada tem que ver com a realidade que a própria notícia descreve. Tal facto, porém, não tolhe o passo ao escrevinhador. Infelizmente para nós, que muito apreciamos a clareza linear, a razão por que a notícia é redigida deste modo só quem tão esforçadamente a partejou conhece.

O que se diz, na realidade, é que há 58,1% que entende que os fogos estão a ser mais eficazmente combatidos do que anteriormente e que a maioria dos que pensam o contrário, ou seja 65,3% destes, ou seja, 65,3% dos restantes, que é como quem diz, 65,3% de 41,9%, isto é, 26,6% do total de inquiridos, pensa o contrário, que os fogos estão a ser combatidos menos eficazmente do que antes.

Dito de outra forma:

Não é verdade que 58,1% achem que os fogos estão a ser mais eficazmente combatidos e que 63,5% achem o contrário, mas sim que 58,1% concedam que há maior eficácia no combate este ano e que 26,6% tal não concedam. Estamos, finalmente, a ver como a coisa funciona, não?

Assim se demonstra que não é indiferente dizer que 65,3% dos que desaprovam (realidade apresentada encapotadamente, com vestes sofismáticas) ou referir que 26,6% do total de inquiridos desaprova (realidade mostrada de forma sã e escorreita).

Não deixando ambas de retratar a verdade dos factos, revelam bem duas formas bem distintas de fazer informação: a engajada em interesses não bem identificados e a que apenas se engaja na verdade, sem capciosismos.

(...) A maioria dos portugueses (53,7 por cento) concorda com a decisão anunciada pelo Governo de dar agora maior prioridade à economia em detrimento da política orçamental. (...)

Pede-se desculpa, mas tem que ser repetido:

No entanto, o Governo tomou medidas e aponta caminhos que a maioria dos inquiridos avalia positivamente. Em que ficamos, então? Quer V. ter a bondade de explicar? Só para ver se nós, cidadãos vulgares de Lineu, percebemos!

Assim se fazem sondagens e notícias em Portugal. Assim se constrói sólido edifício de credibilidade.

No entanto, se quisermos ser justos, não podemos deixar de dar algum desconto ao escriba da SIC-Online.

Então não é verdade que José Pacheco Pereira, político-pensador-filósofo ou vive-versa, logo que - por ter falado demais como tanto gosta, não vá alguém antecipar-se-lhe... - se apercebeu de que, tendo caído em tal dislate, apenas lhe restava abdicar, motu proprio, da possibilidade de aceder à excelência do cargo de embaixador português junto da Unesco, na bela e apetitosa Paris, por que tanto ansiava, desatou depois a zurzir o governo e seus membros, mesmo antes de que estes sequer tivessem sido empossados?

E não é verdade também que Marcelo Rebelo de Sousa, opinador-notador-televisivo ou vice-versa, ungido ignora-se de que qualidade divinatória, desatou, em similar período, a desancar primeiro ministro e, imagine-se!, 17-ministros-17!, alguns dos quais estariam ainda a receber a notícia de que poderia vir a dar-se o caso de serem nomeados ministros, catalogando-os logo a todos de incompetentes ou competentes fora do lugar? E tudo porquê? Ao certo, ao certo, ninguém sabe... Mas em variadíssimas tertúlias por aí espalhadas desconfia-se muito de que tal se terá ficado a dever à não despicienda circunstância de nenhum deles ostentar as iniciais MRS no nome. O que, como se sabe, constitui crime de lesa-majestade.

Ruvasa

1 comentário:

Anónimo disse...

Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado!