Sim, pode ser que seja a inveja de não ter visto ainda a fazenda do meu casaco furada pelo alfinete de uma medalhita pelo excepcional mérito de ter sido o segundo piloto português a andar a arrastar-me pela Fórmula 1 ou por não ter sido elevado à condição de comendador, como integrante de um qualquer grupo de rapazes simpáticos que canta, com muita convicção “que saudades qu’eu já tinha da minha linda casinha” ou outro qualquer maravilhoso feito, mas o que é certo é que fico sempre meio descabelado no 10 de Junho de cada ano.
Descabelado pela cegueira: que diabo, como é possível eu não ter visto o mérito em tantos agraciados, quando eles eram tão evidentes que até houve quem lhes conferisse tamanha distinção?
Descabelado pela ausência de senso crítico: que diabo, como é possível eu não ter capacidade suficiente para apreciar, como merecem, os grandes feitos de inúmeros compatriotas meus, quando eles são tão evidentes que até houve quem lhes conferisse tamanha distinção?
Enfim! O dia de Portugal (que, por sinal nem é a 10 de Junho, como se sabe… mas, enfim…) é-me particularmente penoso pelos motivos apontados.
Mas o que me apoquenta mais é constatar que, sendo nós um país de tantos e tão excelentes espécimes da raça humana, capazes dos maiores feitos, tanto assim que, mal chega um 10 de Junho, somos condecorados às “palettes”, por nos termos distinguido nas mais diversas vertentes da actividade humana, como sejam, a literatura, a maledicência, a escultura, a berraria desalmada, a medicina, a blogaria, as ciências sociais, a velocidade de caracol, a engenharia, a baixa política, a economia, o truanismo, enfim!, o país está como está, de rastos!...
Sim, como é possível o país estar como está se somos criaturas de tal excelência, de tão inusitada envergadura artística, científica, cultural, política, sei lá que mais?!
Algo não bate certo. E é esse algo que dá cabo da estrutura do meu sistema nervoso.
Vou, no entanto, ter que me aguentar no balanço, porque ainda falta condecorar 2.874 excelsos portugueses, para que não haja nem mais um – unzinho que seja!... – sem uma medalhita, comendazita, rosetita ou espadita. O que seria ingratidão sem nome.
Deixem-me todavia, corrigir algo que disse atrás. Asseguro-vos uma coisa: na verdade, falta condecorar 2.873 e não os 2.874 de que falei acima.
É que, quando chegar a minha vez – porque vai chegar, não duvidem, já que alguém, com capacidade imaginativa de louvar a Deus, há-de descobrir um dia que, “ali para os lados de Setúbal, alapado atrás de um chaparro, a roer um pedaço de choco frito, existe um magano que ainda não foi condecorado”, descobrindo também que faço jus a ser distinguido pelo brilhante feito de ainda o não ter sido – vou recusar.
Sim, amigos, vou r - e - c - u - s - a - r !!! Seca, arrogante, malcriada talvez e definitivamente, recusarei com todas as forças do meu ser. Nem que seja a última coisa que faço neste vale de lágrimas!
Quero para mim a suprema honra de ser o único português não condecorado.
E tenho esse direito, porra! Tal nã tá a moenga, hã?!
...
sexta-feira, junho 10, 2005
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1 comentário:
Bravo! muito bem.
Abraço
Hasta luego :-)
Sulista
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