sábado, junho 18, 2005

433. Política à portuguesa, perdida a tramontana…

Nas constantes rondas que faço pela Blogland, acontece-me surpreender-me com muita frequência. Pelos mais variados motivos. Ora é a facilidade com que se desdiz hoje aquilo que ontem se afirmava a pés juntos, ora é a simplicidade com que se diz defender-se determinado tipo de sociedade, mas, logo no post seguinte, se topa com a vestimenta da que se lhe opõe, ora...

É. Isto da blogaria, como da sociedade em geral, é um mundo complexo e quase sempre perplexo.

De há uns tempos para cá, quedo-me estarrecido com outro fenómeno, de rir à gargalhada.

Imaginem que topo com confessados apoiantes deste governo a apoiá-lo e não menos confessados apoiantes do imediatamente anterior, a criticá-lo fortemente.
Ainda me dá uma coisa, palavra de honra!

Não, caro leitor. Não creio que esteja a passar-me dos carretos, como, em linguajar castiço, por aí se diz.

Já reparou que dificilmente se encontra maior contradição generalizada – e a contrario sensu – do que esta de os apoiantes do actual governo o apoiarem e dos do anterior o desapoiarem?

Não concorda? Está no seu direito. Mas, pense bem. Só um pouco mais. Vá lá… não custa nada!... O quê? Não está para gastar meninges a pensar em “estupidezes”? Ok, então eu ajudo.

Ora, vejamos:

Chegado ao poder, o PS, posto perante a realidade – que já conhecia, aliás, mas que preferiu fingir ignorar – deitou fora o programa eleitoral que andara a propagandear e com que vencera as eleições, assobiou para o lado, fingindo que nada tinha que ver com aquilo e, zás, catrapás, pás, pás, vá de aplicar por inteiro, ou quase, o programa dos outros, os que foram derrotados.


Do seu programa, apenas ficou com a lista dos que haviam de o cumprir. Bem, também com um outro que não é daquela guerra – nem de nenhuma outra, diga-se, pois que, quem é rameira de todos, mulher de ninguém acaba por ser… (estou a falar em sentido figurado, como já foi percebido…)

Temos, pois, que somos agora governados por gente que apresentou um programa e com ele venceu as eleições, mas governa com o dos adversários. Perdão, como disse? Ah, não, caro leitor, não é nada disso. Quem está equivocado é usted. Não existe aqui nenhum quid pro quo, além do seu. Desculpe.


Postas as coisas nestes termos, qual a razão do descontentamento de quem apoiou os derrotados e o seu programa?


Vá lá! Concedo que não são os homens em que apostara que estão a cumpri-lo, mas, que diabo!, o que interessa verdadeiramente é o programa. Não se apoia o sr. Fulano, em detrimento do sr. Beltrano pelos lindos olhos do primeiro e o bigode mal aparado do último! O que interessa é o que cada um faz, não o que exibe em salões mundanos.

Não há, pois, razões objectivas para que os apoiantes do anterior governo estejam desalinhados com este. É mesmo um contra-senso, uma auto-desautorização, caramba! Deviam, pelo contrário, apoiá-lo com todas as forças do seu ser (linda frase esta, bem arrancada, não?...).

Invertendo, agora – porque de verdadeira inversão se trata – os termos ao quebrado divisor:

Também não é curial que os apoiantes do actual governo estejam satisfeitos com a prática que vem seguindo. Deviam, no mínimo, ostracizá-lo por completo, combatê-lo mesmo com gana. Pelos motivos atrás enunciados e que aqui se repetem. Então não é que o seu apoiado, não contente com o ter rasgado o compromisso que assumira nas eleições – e que levou a que as vencesse – teve o sumo desplante de ir buscar o dos adversários, pondo-o em vigor, talvez até com maior zelo do que os pais do dito?

Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é… inaudito. E realidade, em Portugal, no ano de 2005, era de Cristo.

Como é que dizia Cícero? Ah, Sim! Quosque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? Sim, até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?

E, se Cícero não se zangar, atrever-me-ei a dizer de minha justiça. Aí vai, então:
É
imperioso que os decisores políticos interiorizem, enfim, que é urgente e inadiável que a política ofereça à sociedade portuguesa um substrato moral insusceptível de ser questionado, como, a páginas tantas, propugnamos no Comunicado II do Movimento Cidadão Atento, que, aliás, já alguns engulhos causou por aí.

Se assim não for, ainda vamos todos parar a Rilhafoles!... Ámen!

Safa! Oh, não, carago, safa, não!

...

7 comentários:

Ricardo disse...

Viva Ruvasa,

"Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é… inaudito. E realidade, em Portugal, no ano de 2005, era de Cristo."

Não teria escrito melhor! Um dos grandes choques negativos deste Governo foi ter repetido a dose de Durão, isto é, ignorar que nas campanhas eleitorais só se deve fazer um compromisso sério com os que queremos representar. Se Durão prometeu um choque fiscal e deu-nos uma subida do IVA, Sócrates não fez melhor porque prometeu não subir os impostos e apostar na economia "real" e também deu-nos uma subida do IVA. Depois ninguém sabe porque é que a Democracia está em crise...

Depois temos algumas divergências de ponto de vista. Bem sei que a ironia é uma arma que utilizas bem e com classe. Mas tenho que encarar a questão dos apoiantes do anterior Governo terem que apoiar este e os apoiantes deste deixarem de o fazer como isso mesmo, uma brincadeira. Até porque temos que ser ainda mais irónicos... o programa de Governo do Santana encaixava tanto como uma luva na sua governação como o de Sócrates está a encaixar agora. Isto é... se Santana acreditava mesmo no que apresentou andou meses a lutar contra o que acreditava. Diria até que andou a vida toda a negar o que acredita. É só mais uma ironia para juntar a todas as outras...

Há uma realidade... temos sido mal governados e mal representados! Eu aprendi uns modestos conceitos de política económibca e fico pasmado com as medidas deste e dos anteriores Governos. Se nem o que é de senso comum conseguimos aplicar então é porque algo não está a funcionar de todo.

De qualquer forma não diria que estou "chocado" com a prestação deste Governo. Acho que não me vou esquecer das promessas não cumpridas porque nunca poderiam prometer o que não controlam e também estou desagradado com a subida, como conceito, dos impostos indirectos. Adicionalmente não gosto da sobreposição das Finanças à Economia. Mas nas reformas em si não posso dizer, em consciência, que estou em desacordo. Na Função Pública, na Justiça e na Saúde, por exemplo, acho que estamos no rumo certo. E as medidas são muitas e muito abrangentes. É preciso dar tempo para perceber se vai haver coragem para levá-las a bom porto.

Abraço e acho que já escrevi demais,

Ruvasa disse...

Viva, Ricardo!

Foste bem mais longe do que eu pretendi ir e fui.

Não quis abordar a forma como o anterior governou e este governa. Porque isso é questão de menos. Quanto menos nos governarem, melhor. Só estragam! Todos eles nos têm desgovernado de há muitos anos para cá...

Apenas quis evidenciar, com ironia, como dizes, o contra-senso de eu, por exemplo, desapoiar este governo e tu, por exemplo, o apoiares. Nem eu nem tu temos razões para o fazermos. Sei que a lógica, as mais das vezes é uma batata, mas...

Eu combato um governo que está a cumprir aquilo que os "meus" tinham prometido na última campanha eleitoral e eu apoiara; tu estás a apoiar um governo que está a cumprir o que os "meus" tinham prometido na última campanha eleitoral e tu repudiaras.

Isto, se me permites, Ricardo, é de rir às lágrimas. Estamos no reino do faz-de-conta. Do "nonsense"!

Quando alguém consegue distanciar-se um pouco e analisar as coisas mais a frio, das duas, uma: ou tem uma grande força mental e resiste ou acaba no Miguel Bombarda ou em... Rilhafoles.

;-)

Abraço

Ruben

Anónimo disse...

Viva Ruben,

Ironia Fantástica!!

Tantas vezes que já me tinha perguntado a mim mesma porque tu e outras pessoas fazem...o que aqui escreves...

«Eu combato um governo que está a cumprir aquilo que os "meus" tinham prometido na última campanha eleitoral e eu
apoiara(...)»

Pois...isto é tudo muito
complexo...mas ainda bem, neste caso, que estás «contra» os de agora, que estão a fazer o que os anteriores queriam
fazer...lollll

Os 4 "Links" estão a funcionar todos, na perfeição!
Obrigada pelo meu "políticos" ;-)

Abraço Grande
Maria João

Ruvasa disse...

:-)))))))))))))))))))))))

Agnelo Figueiredo disse...

Ei Ruben, calma aí.
Estes homens não estão a governar com o programa (ou quase) dos outros. Perdão, mas não é assim.
Estes tipos incorporaram no elenco das medidas inadiáveis (que combateram quando estavam na oposição) um conjunto de outras medidas para cumprirem promessas despesistas. Promessas de "país rico". E, naturalmente, com esta irresponsabilidade agravaram a situação.
E a factura sobe...

Anónimo disse...

Mais governos? Não chegam estes últimos 30 e tal anos para VER o erro?
Onde está o gato? - 'Para quê o teu Governo, se podes falar com o meu?...'

Ruvasa disse...

Sulista, Azurara e outros!

Desculpem preterir-vos na resposta. Mas vocês sabem que eu os amo.

Não posso, contudo, deixar de dar toda a prioridade e, mais do que prioridade, exclusivo desta resposta a este Anonymous que tenho pena de não saber quem seja, porque a saída dele é estupenda!!!

Muito embora, partindo de uma piada em voga - por causa da publicidade a um banco, como se sabe - talvez por ter sido apanhado desprevenido, fui atacado por tamanha gargalhada que quase sufoquei.

Valeu-me a Isabel, a tal que também costuma sair-se com umas bem arrancadas e genuinas, como a de há bocado, que me deu um copo de água e várias porradonas nas costas.

Safa! Ai, carago, safa, não!...

Vá lá um abraço, Anonymous. Teve tanta graça que até lhe perdoo o anonimato, com que não simpatizo por aí além...