quinta-feira, junho 23, 2005

446. A inabilidade política

Para se governar, uma condição é essencial: tacto político. Quem o não tiver, bem pode fazer as malas e ir para casa.

É necessária mesmo uma certa habilidade. Não a habilidade dos jongleurs circenses, mas o jeito necessário para lidar com as massas humanas, na medida justa, com firmeza mas sem arrogâncias desnecessárias, com compreensão dos fenómenos inerentes ao espírito e alma humanos, mas sem o laisser faire, laisser passer dos que se demitem dos deveres a que estão obrigados.

Vem isto a propósito das recentes medidas tomadas pelo governo. Os timings foram mal escolhidos, os castings desastrosos, as peças mal encenadas. Por onde andará o célebre brasileiro, Nelson de Athayde, que tão bons serviços tem prestado ao PS?

Nas medidas tomadas – que, mais coisa menos coisa, teriam que o ser e na medida em que o foram – não se tomou em consideração um modus operandi e um timing adequados e minimamente racionais, que levariam a generalidade dos cidadãos a, embora reclamando por se sentir lesada, aceitar melhor as restrições impostas.

Se as medidas duras – mas duras mesmo e sem recuos, só compreensíveis por estulta e egoísta auto-preservação – tivessem recaído sobre a classe política (que foi quem, em primeira análise, nos trouxe até onde estamos) – com cortes a direito e sem olhar a quem, com a alegação de que assim tinha que ser e, por ter que ser, por ela se começaria, para servir de exemplo, fácil é de presumir – com excelente possibilidade de acerto – que o comum dos cidadãos lá acabaria por aceitar mais uma carrada de sacrifícios. "Que remédio, mas aceitemos, pois, já que tem que ser…", concluiriam.

Bastaria que, tomadas as medidas certas relativamente à classe política, se deixasse algum tempo – duas, três, quatro semanas no máximo – para que o “povão” as assimilasse, intuindo, enfim, que, “para que actuem deste modo lá entre eles é porque a coisa está mesmo feia e há que fazer sacrifícios a sério”. E, passado esse tempo de amadurecimento, teclando no assunto para melhor o fazer chegar a todos, cimentando-o mesmo, então, sim, implementar as outras, as que atingem toda a gente.

A política é, também, uma arte. Poderá ser a do fingimento. E certamente que o é, sim. Mas tem que o ser, até para bem de quem é governado, mesmo que o não perceba.

É isso. Com decisões arrogantes e mal humoradas, sempre de má catadura, sem conta nem medida, sem timing apropriado e, acima de tudo, sem uma moralidade evidente, dificilmente se dobrará o cabo das Tormentas em que rodopiamos, rodopiamos, rodopiamos sem fim ao sabor da furiosa tempestade que nos oprime os corações e as mentes.

O pior de todos estes males é que, infelizmente, parece que nada se aprende com os erros anteriormente cometidos. O que não abona nada em favor da elasticidade intelecto-mental de quem... não aprende.

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