domingo, junho 26, 2005

453. O pormenor… o pormenorzinho…

Agora que a seca anda por aí, toda a gente reclama contra a triste sorte a que estamos condenados.

O mesmo sucede quando dos invernos excessivamente pluviosos, que acabam por nos afogar em água barrenta.

Em ambos os casos, viramo-nos para Castela e outras nações da Grande Espanha e, na nossa pequenez, cá vamos resmungando.

O que acontece, invariavelmente, é que, em anos de grande pluviosidade, Espanha abre as comportas das suas barragens e… aí vai mais disto… Quando em anos de grande seca, pelo contrário, fecha as mesmas comportas e… aí não vai mais disto…

Resumindo: assim ou assado… estamos sempre tramados... e mal pagos!...

Então, resmungamos e chamamos tudo o que nos vem à cabeça a nuestros hermanos e aos nossos políticos, que celebraram, aqui há uns bons anos atrás – não recordo já se em governo do homem de Boliqueime, se no do fixe de Nafarros, se em outro qualquer, um célebre acordo ibérico que, precisamente, autoriza a que os espanholitos abram e fechem as comportas quando lhes der na real gana.

Ora, se assim é, acho justo que reclamemos contra a espanholada dum raio. Não porque tenham especial responsabilidade desta vez, mas porque, sendo espanhóis são presuntos culpados.


Os espanhóis estão fadados a nascer já com todas as culpas que a gente lhes queira atirar para cima. E eu acho que é justo que assim seja. São espanhóis? Então bem merecem umas traulitadas no toutiço semana sim, semana não. E entendo mesmo que se, em semana sim, algo correr mal e a traulitada não for aplicada, deve dar-se logo na semana seguinte, ou seja a do não, que é para não os desabituarmos.

Há que não perdoar aos malandrins. Pois se é até a eles que cabe a gravíssima responsabilidade de ainda irmos tendo algo para comer todos os dias! Se não fossem eles, a gente, com o que produz, já teria encomendado a alma ao Criador, com a vantagem, até, de lá chegarmos, bonitinhos, muito elegantezinhos, esticadinhos da silva e não os mastronços em que eles nos estão a transformar, com tanto alimento que para cá nos enviam, só para nos empanturrarem e, assim, fazerem negócio…

Portanto, quanto aos espanholitos estamos conversados. Traulitada para riba dos maganos que bem a merecem e têm bons costados para apanhar.

O que me parece excessivo é atirarmo-nos também aos nossos políticos, os tais que subscreveram o cele(b)rado acordo que deu aos nossos vizinhos e amigalhaços a possibilidade de abrir ou fechar comportas quando mais lhes convier.

E acho excessivo, porque, no fim de contas, o acordo até é bastante bom para nós. Na verdade, entendo – e julgo que bem – que o sistema é justo e devia mesmo ser muito aplaudido por nosotros.

Por várias razões, a menor das quais não será a de que os castelhanos e outros andaluzes afins precisam de condições para que a sua agricultura produza bens que nos tirem a fome. O que, convenhamos, é obra meritória. Pelo contrário, não necessitamos assim tanto de mais água ou de água a menos, porque não nos tem cabido a missão de os alimentar a eles… Nem a nós, ora essa!...

Portanto, o tratado terá sido bem acordado e redigido e estará agora a ser cumprido de forma absolutamente correcta, não havendo, pois, razões para queixumes de gente mimada.

E mesmo que achássemos que os termos do acordo não tinham sido os mais felizes e correctos, os que melhor defendem os nossos interesses, ainda assim sou de opinião de que qualquer reclamação que não passe de um mero resmungo interior, inaudível a mais de dois metros, constituiria um exagero de gente sem bom senso, que gosta de criticar e reclamar, só pelo prazer de criticar e reclamar.
Se não, vejamos:

Rezam as cláusulas do célebre acordo que os espanhóis podem abrir ou fechar as comportas, não é? E então, qual o mal, qual a admiração? Nenhum. Nenhuma. Acho que está tudo correcto. Nada há que apontar aos nossos negociadores. E chego mesmo a entender que é um exagero descomunal, uma falta de senso inominável, só possível de existir, por má fé de quem critica, a charge que esgrime com a alegação de que os espanholitos, quando da assinatura do tratado, terão dito, entre dentes e entre eles:

- Estes portuguesitos son locos, verdad?! Son locos, sin duda! Y es tan facil trampearlos, coño!

E porquê? Sim, por que razão entendo eu tudo isto, ou seja que o tratado está redigido em termos justos e não há razão para críticas aos negociadores da Alta Parte Contratante portuguesa que subscreveu tal acuerdo?

Na verdade, os espanholitos teriam que ter a possibilidade de abrir e fechar as comportas. E só eles a poderiam ter, porque elas estão em território seu e, assim, não faria sentido, por exemplo, sermos nós a irmos lá fazê-lo. Tudo bem, tudo certo, portanto. Nada a criticar.

O único lapso verificado no acordo – mas, caramba! é mesmo um mero lapso!... e, por isso, não justifica tanta fustigação dos nossos representantes no célebre acuerdo – é não ter sido consignado que os espanhóis podiam – e deviam – abrir as comportas em anos de seca e fechá-las em anos de molha!

Como se sabe, porém, tal lapso não passa de mero pormenor sem qualquer importância e, como é sabido também, de minimis non curat praetor, ou, dito de outra forma, a Alta Parte Contratante portuguesa não podia estar a preocupar-se com ninharias, porque não foi para isso que ela se constituiu.


A Alta Parte Contratante portuguesa – aliás, como invariavelmente sucede com todas as Altas Partes Contratantes portuguesas – tinha, como incumbência primeira, o patriótico dever de providenciar por que o champanhe (Freixenet, claro está, nem outro poderia ter sido!…) com que iria ser regado o acordo, estivesse fresquinho e bem borbulhante, nesse dia de tão excelente e gratificante memória ibérica.

3 comentários:

Anónimo disse...

«...abrir as comportas em anos de seca e fechá-las em anos de molha!»

É só um pequenito pormenor
técnico! Ah, e a culpa é,
claro, tb dos espanholitos...

Fantástico! ;-))))))
Beijinhos
Sulista

Anónimo disse...

E fácil de saber o acordo foi celebrado em 1998. Não só era 1 ministro o picareta falante com era ministro do ambiente a bixa embusteira.

Ruvasa disse...

Obrigado, João!

Palavra que eu não sabia. Ou já não me lembrava.

Estava sinceramente convencido de que tinha sido nos consulados de Cavaco ou de Soares.

Ok! Não foi o homem de Boliqueime nem o de Nafarros, mas sim o das Donas.

No fundo, c'est la même chose!... (ainda um dia, com calma e tacto, hei-de explicar - a quem não sabe, pois que há muito quem saiba... - o que é isso da mesma coisa).

;-)

Ruben