A co-incineração de Resíduos Industriais Perigosos ficará na história da nossa democracia como protótipo da deliberação autoritária, que usa o disfarce da democracia formal para manipular cidadãos e instituições para além do que é admissível.
Alicerçado numa maioria absoluta, o Primeiro-Ministro José Sócrates no seu estilo prepotente e autoritário declara: Co-incineração dos RIP é para avançar em breve nas cimenteiras de Souselas e Sécil/Outão.
Violando a legislação em vigor e, “retocando” a seu bel prazer o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida – POPNA, versão inicial de 2003, que tinha sido submetida a discussão pública e que não permitia a co-incineração, foi alterado de modo a garantir este processo de queima de resíduos, sem que aquele procedimento legislativo tivesse sido considerado. Pura desonestidade de processos! (…)
(extracto de um artigo de Maurício Pinto da Costa, presidente da Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão e estrénuo defensor dos interesses desta região, recentemente falecido, publicado no Site da LASA)
O ilustre setubalense de adopção não podia ter sido mais certeiro na sua análise. Aliás, sabia-se que era assim mesmo. Podia-se dele discordar – e muitos o fizeram – mas havia que reconhecer-lhe os méritos e a total entrega à defesa desta sua dama que é a região de Setúbal, sem olhar a esforços ou conveniências pessoais. Com o seu passamento, Setúbal perdeu um verdadeiro e muito esforçado Amigo.
No entanto, Maurício Costa não nos deixou sem antes alertar todos quantos não estejam imbuídos de má fé ou tolhidos por interesses obscuros para mais esta malfeitoria que a Setúbal está a ser feita.
Com isso, pôs à mostra, de forma iniludível, o autoritarismo socrático que, no caso vertente, fará com que Setúbal sofra no seu ambiente e na pele e pulmões dos seus habitantes males que bem podiam ser evitados, se, da parte do primeiro-ministro com que a roda da fortuna nos "premiou", houvesse um pouco menos de autoritarismo (que nunca é pouco) e um naco mais de bom senso (que em caso nenhum é muito).
Honra lhe seja, Maurício!
Ingenuidade
Mas não há autoritarismo que não resulte, pelo menos em boa medida, de ingenuidades várias que, despertadas a posteriori para as realidades da vida, têm tendência a cair em estéreis lamentações. Razoavelmente, diz o povo que, quando a cabeça não pensa...paga o corpo.
E é assim que causam alguma surpresa as manifestações de desagrado que, um pouco por todo o lado, nas margens do Sado e também nas do Mondego, surgiram já ou se preparam para surgir.
Na verdade, com que legitimidade se revoltam e bradam aos céus, em desespero de causa, setubalenses e conimbricenses?
Efectivamente, sabiam já qual a fixação do actual primeiro ministro no domínio da co-incineração, uma vez que tudo era conhecido desde que o homem passara pela pasta do Ambiente, no governo de Guterres. Isso, não obstante ter, entretanto, sido encontrada outra solução bem menos gravosa para o ambiente natural e para as populações, inclusivamente com melhores efeitos económicos. E é bem conhecido, também, o poder inamovível que tem qualquer fixação.
A despeito de tudo, setubalenses e conimbricences não hesitaram em contribuir para que a teimosia, a arrogância e o olímpico desprezo pelo sentir de compatriotas seus, evidenciados por Sócrates, fossem presenteados com uma maioria de assentos parlamentares. Absoluta.
Duvida? Então aí ficam os resultados, para memória futura:
Na eleição da Assembleia da República, realizada em 20 de Fevereiro de 2005, os resultados nos concelhos de Setúbal e Coimbra, foram os que seguem:
Setúbal
A nível concelhio, o PS venceu as eleições com 43,11% dos votos;
em Nª Srª da Anunciada, freguesia em que está localizada a cimenteira Secil, venceu igualmente, aqui com 43,62% dos votos
em Nª Srª da Anunciada, freguesia em que está localizada a cimenteira Secil, venceu igualmente, aqui com 43,62% dos votos
...
Coimbra
A nível concelhio, o PS venceu as eleições, com 45,68% dos votos;
na freguesia de Souselas, venceu igualmente, com 41,97% dos votos.
Assim sendo, cabe perguntar, tanto a setubalenses como a conimbricenses:
- Queixam-se, afinal, de quê?
na freguesia de Souselas, venceu igualmente, com 41,97% dos votos.
Assim sendo, cabe perguntar, tanto a setubalenses como a conimbricenses:
- Queixam-se, afinal, de quê?
- Quando decidiram, de forma esmagadora, colocar José Sócrates no poder absoluto, arrogante e autoritário do País não dispunham já de informação suficiente que lhes permitia avaliar o que o homem iria fazer no concernente à co-incineração?
É, não é? Pois…
...
Q.E.D. ou, mais extensamente, Quod erat demonstrandum…
…
…
3 comentários:
Amigo Ruvasa,
Apesar de reconhecer legitimidade nas críticas ao autoritarismo de Sócrates (é aliás aí que discordo do dirigente do meu partido) discordo da sua análise apenas no que toca à pertinência da co-incineração.
Hoje mesmo, acabei de colocar a parte III dos meus artigos sobre o lixo, onde trato exactamente dessa solução final que deve ser a co-incineração.
Concordo com ela, desde que aplicada no lixo certo, como acredito que será. Cabe a todos nós ajudar a controlar.
Não posso estar mais de acordo consigo na sua análise da legitimidade do nosso primeiro ministro (legitimidade eleitoral) sobre a implementação da CI.
O povo português votou em Sócrates sabendo que ele tomaria esta medida. Foi avisado. Foi admoestado pelos outros partidos de que assim seria... e optou claramente pelo PS.
Sem dúvida!
Apenas acho que deveriam explicar melhor a todos os portugueses que se tem de recorrer a estas soluções porque TODOS NÓS nos estamos nas tintas para o ambiente.
Gostamos do quentinho (muito quentinho)...
Gostamos de um duche bem molhadinho (com água farta)...
Gostamos de Tetrapacks...
Gostamos de sacos de plástico...
Gostamos de automóveis...
Gostamos de usar e deitar fora!
Menos mal vamos quando o governo da Nação decide deixar de esconder debaixo do tapete ou na beira da estrada o nosso lixo todo.
Menos mal quando o legítimo governo de Portugal decide tratar o problema.
Isto ia lá sem autoritarismo?!
Olhe que não... olhe que não...
O português que gosta tanto de sujar o que é dos outros...
Viva, Eduardo!
Para mim, o problema não reside, apenas e tão só, na teimosia, arrogância pouco inteligente e autoritarismo.
Trata-se mesmo de uma fixação. E sabemos como as fixações são perigosas, não é?
(Aliás, entendo que, a partir de hoje, estamos mesmo bem entregues, com dois teimosos, arrogantes e autoritários em S.Bento e Belém. Deus nos valha!)
Como sabe - sabemos todos - a questão dos resíduos estava resolvida e a contento de todos, ecologistas incluídos, com bem menos custos para todos.
Acontece, porém, que não estava resolvida outra questão, que é o que está a determinar tudo. É ela o negócio feito com as cimenteiras. Aqui é que está todo o busílis. O resto que ao redor do assunto se debate não passa de poeira atirada para os olhos de crédulos incautos.
O Eduardo conhece a Arrábida e o que a Secil lhe tem feito, desde que o autoritário Estado Novo, para castigar a politicamente desafecta Setúbal, celebrou um contrato muito lesivo dos interesses da Arrábida e dos setubalenses, que finalmente estava a expirar?
E é assim que - para além da casmurrice, fixação e autoritarismo de Sócrates (não refiro outros interesses e compromissos que terá assumido, porque não sei se existem e só falo do que sei) - lá teremos, em Setúbal, que continuar a ver a Secil a destruir a Arrábida, o que é um crime de lesa Humanidade, quando, antes do tal acordo, o prazo de exploração estava no fim.
Encostado às instalações da Secil-Outão, existe o Hospital Ortopédico do Outão. Talvez Sócrates entenda que o pó de cimento da Secil seja bom para consolidar fracturas, expostas ou não...
Se assim é, de lamentar é que não se convença igualmente de que o mesmo pó é horrível para os pulmões de gente de mente pouco aberta e muito sujeita a fixações.
Abraço
Ruben
Adenda:
"Isto ia lá sem autoritarismo?!
Olhe que não... olhe que não..."
Aqui, tenho que declarar-me em total e absoluto desacordo consigo.
Nada, nada mesmo, pode justificar qualquer tipo de autoritarismo.
Radicalmente, sou contra.
Não é possível justificar-se o injustificável. Trata-se de uma impossibilidade.
Abraço
Ruben
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