O Nónio publica um artigo intitulado campanha sem rumo que recolhe toda minha concordância, já pela pertinência do assunto abordado, já pelos argumentos aduzidos.
Tem, pois, toda razão no que diz. Há, no entanto, outro ponto que merece reflexão.
É que os órgãos de comunicação social têm – também eles e provavelmente a maior parte – a responsabilidade por uma campanha realmente fraca e que não mostra muitas ideias, por se limitarem a dedicar páginas inteiras e longos minutos a meros faits divers, ou seja, no caso, ao que é motivo de escândalo ou de denegrimento dos actores em palco - ou fora dele -, e isto sem que sejam alvo de qualquer escrutínio ou sanção mínimos...
Todos sabemos que, nos contactos ao longo do país, todas as candidaturas – umas mais outras menos, é certo, mas todas – têm apresentado e falado das propostas com que se apresentam perante o eleitorado, tentando cativar a sua atenção e interesse.
No entanto, como temos visto, essa parte dos discursos não ocupa, por via de regra, mais do que 1/10 do tempo total que a cada candidatura os diversos jornais televisivos dispensam.
Podia apontar aqui uma mão cheia de exemplos, pois que diariamente eles são em número considerável. Isto, no entanto, não retira a validade do que Nónio afirma, já que, na verdade, as propostas têm sido mal apresentadas e acabam sempre por subsumir-se no ruído geral, quando deveria acontecer precisamente o contrário. O País e as suas “instituições”, no entanto é o que é e muita água terá ainda que correr sob as pontes que se mantenham de pé, até que algo de mais construtivo se mostre aos olhos de todos.
Podia, pois, apontar imensos exemplos. Limitar-me-ei, porém, a um que é, quanto a mim, dos mais elucidativos: o debate televisivo Santana Lopes/José Sócrates na SIC e na 2.
Não duvidando da boa vontade dos organizadores do evento em proporcionar ao “respeitável público” um esclarecimento capaz, tenho que manifestar o meu desconsolo pela pequenez de tudo quanto se viu. E até mais: a minha surpresa por ter visto dois jornalistas que considero excelentes profissionais (ilhotas isoladas em mar bem encapelado…) como Ricardo Costa e Rodrigo Guedes de Carvalho, embarcarem em tão fraca e insossa peça.
Começa tudo porque – e aí talvez que a culpa não tenha sido deles, mas, se o não foi, teria sido bom que o tivessem dito, para que ficássemos informados acerca de quem teria partido o boicote… – o debate nunca deveria ter sido um, mas em número suficiente para que todas as matérias da governação fossem devidamente escalpelizadas e as respectivas propostas apresentadas. Ora, não foi o que aconteceu.
Tanto se anunciou que seria um debate em que os eleitores teriam a possibilidade de se esclarecerem e tanto se propalou o ineditismo do formato, que possibilitaria o que antes nunca teria sido conseguido, que, no final, a desilusão geral, excepção feita a todos quantos de faits divers se almentam (e cada vez são mais em Portugal…) terá sido muito acentuada. Considero mesmo que foi mais um mau serviço prestado à democracia, ao País.
Chegou-se até ao ponto de se comparar aquele “inédito” debate com os que constituem prática usual no USA. Ridículo! O que nos States se faz é bem outra coisa e bem melhor. Nos debates são dissecadas todas as áreas da governação e não há a possibilidade de qualquer dos candidatos fugir do palco pela esquerda baixa. Aqui, no nosso simulacro, foi o que se viu. Também é certo que, para se ver o que se viu e ouvir o que se ouviu, melhor foi que não se tivessem realizado mais. Mas a ideia era o esclarecimento, não o mau arremedo acontecido, pelo que menos de três debates seria manifestamente insuficiente. Menos de três e com perguntas cirurgicamente formuladas, para obter respostas concretas e sem sofismas.
Tudo isto, para já não falar no conteúdo das perguntas, confrangedoramente fracas e sem consistência. Bastará que, depois de ser ter assistido ao debate, agora se leia a sua transcrição, para que cheguemos àquela triste conclusão. Na verdade, nem a imitar já somos razoáveis. Confesso que esperava mais – muito mais – de Ricardo Costa e de Rodrigo Guedes de Carvalho. Para não falar de outros, embora muito poucos mais...
Depois – imagine-se! – por que tema se iniciou o tal inédito e inovador debate? Pois bem, nem mais nem menos do que pela discussão de uma mera “fofoca de comadres”. As honras de abertura do tal debate que iria mudar tudo em Portugal, não couberam a qualquer tema sobre Saúde, Educação, Finanças, Política Externa, Agricultura, Defesa Nacional, Justiça, etc. que, realmente, devem interessar aos portugueses. Não. Começou, isso sim, por onde todos, afinal, já sabíamos que iria começar, ou seja, pelo fait divers, pela comadrice aldeã lisboeta.
E tanto tempo se gastou num episódio lateral e sem o mínimo interesse que, depois, forçosamente que teria que faltar para outros assuntos bem mais sérios.
É certo que os candidatos também podiam ter mudado o rumo aos acontecimentos. Mas, talvez porque a um não interessasse sair da pequena política, por receio de ser confrontado com assuntos mais sérios e para que não estaria preparado, e a outro porque ao assunto não foi capaz de dar a tesourada imediata, que tudo cortasse pela raiz, ali ficámos suspensos de mais uma discussão de bairro, à espera de que algo de mais substancial surgisse.
Em resumo, os candidatos não estão isentos de responsabilidades, mas quem tudo iniciou, pela parte menor e desprezível do momento, foram, uma vez mais, os jornalistas.
O que, aliás, muito tem acontecido nesta campanha, diariamente, em filme que já foi visto em idênticas circunstâncias, em 1995…
E sabe-se no que deu, não é verdade? No curto e médio prazo. Porque no longo ainda estaremos para ver.
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