sábado, fevereiro 26, 2005

210. A encruzilhada do PSD

O PSD está reunido em Conselho Nacional. Impunha-se esta reunião. Deveria ser o princípio de uma reflexão profunda a fazer-se no partido. Reflexão que deveria ser continuada até ao e no inevitável Congresso.

Mais, muito mais do que pensar em nomes que sucedam a Pedro Santana Lopes na presidência do partido, há que analisar tudo quanto se passou e daí tirar as inevitáveis consequências, sem o que qualquer sucessão não passará de um mero apear, de uma mera mudança do homem sentado na garupa do poder laranja.

É, porém, já com algum desconforto e certamente muito apreensão que as bases sociais-democratas constatam a pressa de alguns “baronetes” que logo se acercaram da linha de partida de uma corrida que ninguém em seu perfeito entendimento, portanto no pleno uso de todas as faculdades de raciocínio, quer que aconteça, sem que se reveja o passado e dele se tirem as ilações devidas.

E essa preocupação, essa terrível ansiedade do militante anónimo – que nada quer do partido, mas que tudo é capaz de ao partido dar, como, ao longo destes 30 anos de vida, foi inúmeras vezes provado – crescem na medida em que os nomes que, em bicos de pés, vão surgindo são de gente “velha e relha” que, a uma primeira vista, pouco ou nada acrescentará em favor do partido e do seu projecto de sempre.

É que o Partido Social Democrata, para além da reflexão acima referida e da assumpção de erros e omissões, responsabilidades, enfim, tem que, decidida e corajosamente, interiorizar a necessidade de tomar decisões de fundo, graves – provavelmente dolorosas como partejamentos – e históricas, para que, com seriedade, possa, em próximas oportunidades eleitorais, apresentar-se perante o decisor final – o cidadão comum que vota – em condições de este o levar a sério.

Certamente que muitas terão que ser as medidas que deverão ser tomadas sem postergação. No entanto, três parecem mostrar-se as mais urgentes e decisivas:

00001. Fazer o balanço do passado recente e acertar contas internas, já que, para além das responsabilidades de quem agiu em nome do partido, como seu legítimo representante, há que apurar a de militantes que objectivamente contribuíram, por acção, bem mais do que por simples omissão, para o descalabro verificado.

Na verdade, o PSD não mais pode dar-se ao luxo de acolher no seu seio quem se comporta para consigo como nem o seu pior inimigo faz. O PSD não pode deixar que, por anos e anos seguidos, por dirigentes e dirigentes consecutivos, militantes seus alegre, impune e irresponsavelmente usem tribunas públicas de que dispõem para menorizar o partido em que estão inscritos, no pressuposto de que o defenderão sempre, e quem legitimamente o dirige, para lhe fazer guerra que nem os adversários mais radicais fazem. Com a agravante de a sua voz não ter sido cortada no partido, pois que, nos seus órgãos, nem sequer tentam usá-la para as críticas e ataques que julguem por bem desferir, já que propostas construtivas parecem não ser capazes de apresentar, quanto mais de levar alguém a apoiá-las.

00002. Proceder a uma profunda renovação de quadros dirigentes. É evidente que, salvaguardada uma pequena e respeitável minoria, a esmagadora maioria dos actuais quadros está ultrapassada pelos novos tempos, pelos novos conceitos de vida e de política, mostrando-se ainda excessivamente apegados a concepções políticas que nada têm que ver com a realidade actual.

Na verdade, sendo os tempos outros, bem diversos daqueles em que eles fizeram a sua aprendizagem nos meandros da política, há que ter a noção de que o partido cada vez mais os terá que dispensar e passar a dar lugar a gente com outras perspectivas, outro modo de estar na vida e na política, forma diversa de encarar a sociedade portuguesa actual, com as suas também actuais necessidades e vontades, sem que, no entanto, se atraiçoem os valores constantes por que o Partido Social Democrata sempre se bateu e terá que continuar a bater-se.

Os velhos políticos da velha política terão que convencer-se – ou disso ser convencidos – de que este tempo já não é o seu, se não renovarem práticas rançosas, por ultrapassado o prazo de validade. O que ontem era bom ou, pelo menos, aceitável, há muito que deixou de o ser, pelo que há que encarar esta dura e crua realidade.

Tais políticos terão, assim, que dar lugar a quem possa estar na calha e mostre aquilo que eles já não conseguem evidenciar: o necessário aggiornamento, a indispensável actualização, até a não afastável vontade, que evitam que se perca o comboio, sempre em inexorável marcha para a frente.

É certo que este divórcio entre a sociedade portuguesa actual e as suas necessidades essenciais e o discurso e a prática políticos de quem se deixou ficar para trás não se verificou apenas no PSD, mas em todos os partidos portugueses. Dos outros, porém, outros que cuidem. Do PSD, terão que ser os seus militantes. E quanto mais relevantes cargos tenham assumido, no passado e no presente, maiores as responsabilidades que terão que chamar a si na assumpção da necessidade da renovação do partido.

O partido tem, aliás, todo o interesse em manter essa reserva de experiências passadas, congregada e participativa, pelo que não parece despropositada uma solução que passe pela criação de um novo órgão partidário onde tenham assento esses homens e essas mulheres que desempenharam cargos de relevo e úteis para o partido e para o país, órgão esse que funcionaria a título consultivo e a instâncias do presidente do PSD ou da Comissão Política Nacional.

00003. Finalmente, consagrar, na eleição dos órgãos dirigentes, designadamente do presidente do partido, a solução que o PSD foi – há bons anos atrás – o primeiro a referir como a que se impunha, pela maior democraticidade que a enforma, mas a que, a continuar como está, acabará por ser o último a implementar, ou seja, a do voto secreto de todos os militantes ou “directas”, como se prefira chamar-lhe, em preterição do recurso aos colégios eleitorais que, como sem esforço se compreende, são muito mais facilmente manipuláveis, face aos enormes interesses sempre em jogo, jogados em tabuleiros fora das vistas gerais.

Partido de tal modo democrático que frequentemente quase raia a anarquia mais pura e dura, o PSD tem que ter em linha de conta estas três necessidades e dar-lhes rápida mas ponderada resposta. Neste preciso momento, sem o que facilmente se descredibilizará de forma irremediável.

De bom aviso será, portanto, que, na pressa de tudo resolver de supetão, mascarando a dura realidade, por força de interesses particulares e menores, políticos de corredor uma vez mais deitem tudo a perder.

O País necessita de um PSD renovado, de ideias arejadas e pujante, tão rapidamente quanto possível, mas não tão apressadamente que tudo acabe por saldar-se num rotundo e muito frustrante fracasso. Porque o País vai precisar de um PSD nestas condições muito mais cedo do que alguns imaginam. Infelizmente, mas com toda a certeza, dadas as experiências anteriores da recentemente sufragada solução governativa socialista.


Ruben Valle Santos
mil 29715

2 comentários:

António Balbino Caldeira disse...

Democracia directa já! Eleição dos dirigentes nacionais através de eleições directas; eleição dos candidatos autárquicos através de elições directas (primárias).

Pacheco Pereira tem razão ao dizer que o Partido está autarcizado (cito de memória), isto é dominado pelos autarcas, ou melhor, pelos presidentes de câmara que distribuem empregos, controlam as comissões políticas concelhias que controlam as distritais que mandam na comissão política nacional e co-optam os dirigentes de serviço.

Por isso, é altura de promover a democracia directa no PSD.

Ruvasa disse...

Viva, António!

Concordo consigo no que diz (nem seria preciso afirmá-lo, pois que é evidente pelo teor do meu post, a que responde).

A excepção na minha concordância está apenas na razão de Pacheco Pereira. Este há muito tempo que deixou de ter razão, mesmo quando a tem. Por que lhe falece força moral para alvitrar seja o que for.

Pelo menos, enquanto se aproveitar da circunstância de estar filiado no PSD para, atacando-o da forma que ataca (que nem os inimigos declarados do partido fazem), ir obtendo réditos de monta, como no caso da "Quadratura do Círculo" e outros antes desse.

No dia em que o sentido de honra e justiça o levem a desfiliar-se do partido para, então, atacar o partido e quem o integra, aí, sim, talvez recupere um pouco da razão.

Antes disso, não!

A este propósito, atrevo-me a pedir-lhe que leia os posts que deixei no meu blog, sob o título genérico "Razões por que Pacheco permanece no PSD" e com os nºs 181, 185, 190 e 192, de há dias atrás.

cumprimentos, António, e aceite a minha solidariedade pelo excelente trabalho que está a fazer e que tenho seguido com muita atenção, embora não tendo participado. Por enquanto.