domingo, março 05, 2006

681. Setúbal e as Misericórdias Portuguesas





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o contrário do que correntemente se conta e escreve, tudo indica que Setúbal tenha sido a verdadeira precursora das Misericórdias Portuguesas.
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O que se conta e escreve correntemente, é que,

fundada em 1498 (lapsus calami, já que foi em 1492), pela Rainha D. Leonor (Leonor de Portugal ou Leonor de Viseu, nascida em 2 de Maio de 1458 e falecida em 17 de Novembro de 1525, foi rainha de Portugal de 1481 a 1495, pelo casamento com João II, o "Príncipe Perfeito") a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, cedo viu frutificado o seu exemplo de instituição preocupada com o bem-estar dos cidadãos portugueses mais desprotegidos. (…)

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Setúbal, cujo nascimento e importância remontam a época anterior à fundação da Nacionalidade, não poderia ter ficado indiferente ao movimento (…) que pelo país alastrava.

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Assim, escassos dois anos
(na realidade, sete) após a fundação da pioneira, foi criada a Santa Casa da Misericórdia de Setúbal, corria o ano de 1500 (leia-se 1499).

O que se transcreve é, com as correcções assinaladas, a História oficializada de uma parte da criação das Misericórdias Portuguesas, inspirada na visão humanitária da Rainha Leonor, mulher de João II.

No entanto, não estão aqui todos os factos reais, porque estes terão começado a verificar-se muitos anos antes do nascimento da rainha e precisamente em Setúbal, não em Lisboa.

A localidade de Xetubre (ou Chetubre) parece dever o nome ao rio que lhe desagua à ilharga, actualmente conhecido por Sado. A mais antiga referência escrita conhecida a este pertence a Edrici, sábio árabe, de Ceuta, que terá vivido no tempo do fundador da nossa Nacionalidade.

Terra alagadiça, situada entre a altaneira e cristã Palmela e a insalubre e sarracena Alcácer do Sal, Xetubre teve dificuldade em afirmar-se por si própria, mesmo após a conquista de Alcácer, em 1217.

Após a conquista, Alcácer recolheu para si os benefícios de ter passado a ser cabeça da Ordem Militar de Santiago, sendo um dos rendimentos da Ordem o imposto sobre a pesca, bem como toda a tributação do tráfego de mercadorias entradas pela barra do rio.

Esta situação, porém, degenerou em conflito entre o D. Afonso III e o Mestre da Ordem de Santiago, por ambos entenderem que tal rendimento a si era devido, conflito que terminou em acordo a contento de ambas as partes.

Continha o acordo, entre outras, a cláusula que dava a Setúbal a denominação e as atribuições de "porto obrigatório" de ntrada e saída das mercadorias. Deste modo, despontou Setúbal para a importância que actualmente tem, ao passo que, em contrapartida, Alcácer do Sal começou a perder influência.

Após este pequeno parêntese, regressemos à questão da “paternidade” do espírito que levou à criação das Misericórdias Portuguesas.

No séc. XIV, Setúbal ganha algumas terras que faz incluir no seu alfoz, ou seja, espécie de circunscrição administrativa, tendo os decididos e de vistas largas setubalenses de então

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(espécie cada vez mais rara por estas bandas, já que ninguém com poderes, legitimidade e foça anímica se tem oposto às maiores malfeitorias que a Setúbal têm sido feitas pelo poder central, limitando-se a digerir tudo o que lhes obrigam a que aceitem, como a questão da estúpida (e teimosa como tudo o que é estúpido e arrogante) co-incineração, de que falaremos em outra oportunidade, bem como mais um sem números de autênticas patifarias - por exemplo, a localização, em plena cidade, do porto para exportação de automóveis que, um dia destes, deixam de ser feitos cá, como, aliás, já esteve para acontecer, com a iminência da deslocalização da Auto-Europa…)
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demarcado termo de território próprio. Isto em 1343.

Quarenta e três anos mais tarde - em 1386, portanto - no decurso de várias diligências tendentes a firmar a personalidade jurídico-político-religiosa da sua terra, os mesmos setubalenses assinaram o Compromisso (atente-se no termo compromisso, que, mais tarde - 106 anos mais tarde, note-se - haveria de ser adoptado como designação para o estatuto da Misericórdia de Lisboa e, seguidamente, de todas as restantes) da Senhora da Anunciada.

Nesse Compromisso da Senhora da Anunciada, firmavam-se os setubalenses na intenção de realizar as sete obras da misericórdia, as quais ainda hoje servem de matriz a toda a acção das Santas Casas. São elas, dar de comer aos famintos, de beber aos sedentos, albergue aos passantes, vestes aos nus, visita aos enfermos, cuidados aos presos, sepultura aos defuntos e salvação às nossas almas.

Talvez seja de bom aviso do facto fazer passar a devida notícia, para que a verdade possa ver-se reposta e o mérito atribuído a cada qual segundo o seu real merecimento.


Aqui fica já uma pequena contribuição.

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Alguns factos históricos mais relevantes e as transcrições foram, com a devida vénia, bebidos de trabalho do Prof. José Hermano Saraiva. Os restantes, recolhidos em leituras diversas.



Adenda
2006.Março.05 - 18,17 horas


Circunstâncias envolventes concorrem para a defesa da tese de que terá sido em Setúbal que a Rainha Leonor bebeu a inspiração para a criação das Misericórdias, uma vez que é sabido que a Corte de então passava grandes temporadas em Setúbal e Palmela.

(Foi aqui, por exemplo, que D. João II, liquidou a conjura que se armara para o assassinar, facto que se conta em poucas palavras:

Diogo, 4º Duque de Viseu e de Beja, irmão de Leonor de Viseu, sobrinho de Afonso V, depois também Duque de Bragança, Condestável do Reino e governador do Ordem de Cristo, por agraciamento de Afonso V, gozava de especial privilégio pelo poder que detinha e por ser irmão da rainha.

Cabecilha da oposição ao Príncipe Perfeito, quando este subiu ao trono, em virtude da política centralizadora e absolutista do monarca, conjurou-se com outros fidalgos para assassinar o cunhado e o príncipe herdeiro, com o que contava poder aceder ao trono, no que foi impedido pelo próprio rei que, tendo tomado conhecimento dos planos, com o pretexto de o consultar sobre questão relacionada com os Descobrimentos, o chamou a Setúbal, onde, em 1484, o apunhalou até à morte, ao que se supõe num dos salões do edifício onde hoje funciona a sede do governo do distrito).

Não é, pois, de excluir que, tendo tido conhecimento da existência da iniciativa setubalense das Obras da Misericórdia da Senhora da Anunciada, a rainha Leonor a tenha alargado a todo o país, através da criação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a que dezenas de localidades e populações portuguesas aderiram de forma exemplar.
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3 comentários:

Ruvasa disse...

Meu Bom Amigo

Obrigado por este contributo para a história da nossa Misericórdia e da nossa Terra.

É sempre bom sabermos que ainda há quem se lembre desta Instituição de BEM FAZER e que, por se estar na Área Metropolitana de Lisboa, deixou de poder aceder a algumas verbas comunitárias (todo resto do
País se pode candidatar a esses fundos), que bastante falta fazem para o desenvolvimento da área social da nossa Santa Casa da Misericórdia.

Sinais dos tempoe meu bom amigo.

Um abraço.

AAlves

H. Sousa disse...

Parabéns! O seu a seu dono. As misericórdias e todas as acções humanitárias terão sempre o meu apoio também.

Ruvasa disse...

Viva, Henrique!

E todo o apoio será ainda pouco.
As dificuldades são muitas e as disponibilidades e boas vontades diminutas.

Abraço

Ruben